quarta-feira, 24 de julho de 2013

Sintomas de estudante

No consultório de minha psicóloga,
Minha mente frenética ditava informações
Que minha boca não conseguia acompanhar.

"Por que você não quer viver?", ela perguntou.
"No mundo há coisas boas e ruins", respondi.
"É mais sábio evitar ambas, não?", continuei.
"Não tenho estômago suficiente para viver",
concluí.

"Como assim, você não tem estômago para viver?", perguntou.
"O mundo é insano, não queria ter nascido nele", respondi.
"E sobreviver neste mundo exige muito trabalho", continuei.
"Viver é um saco e não compensa o esforço",
concluí.

Se minha última resposta fosse um texto dissertativo,
Eu seria veemente criticado pelos gramáticos,
Pois não há coesão, não há eixo temático.

"E... Por que o mundo é insano?",
...
...
...
ela perguntou!

"Olha... bem... é que... hm... é porque...
...a nossa história se baseia em humanos...
querendo viver à custa de outros humanos, sabe,
só para obterem um conforto idealizado"
respondi...

"São muitas pessoas,
Querendo umas passar por cima das outras.
É uma corrida desenfreada por dinheiro"
continuei.

"É isso mesmo..."
ela concluiu no meu lugar.

Eu já disse que minha boca estava descompassada
Com toda a informação que minha mente mandava?
Ué? Você não acredita? Mas é verdade!

"Só por isso você quer morrer?", ela perguntou.
"Não. Sobreviver não compensa o esforço", respondi.
"Sobreviver dá trabalho e viver entre humanos é difícil", continuei.
"Por isso não é interessante estar aqui, nem faz diferença",
concluí.

"Sobreviver dá trabalho devido aos estudos?", ela perguntou.
"Precisamente. Não acho que valha a pena", respondi.
"Cansei de ter alguém gritando no meu ouvido: ENEM, ENEM", continuei.
"Eu queria ser atendente de supermercado",
CONCLUÍ.

Ser humano

Mônica quer ser médica.
Natanael quer ser médico.
Gabriele quer ser médica.
Daniel quer ser engenheiro.
Epitácio quer ser engenheiro.
Bárbara quer ser advogada.
Ana Letícia quer ser advogada.

Meu pai olhou para mim e perguntou
"O que você quer ser, meu filho?"
Do banco traseiro do auto, respondi
"Eu quero ser simples e feliz, meu pai."
Ele pôs os olhos fixos no volante do carro
E suas mãos apertaram o volante com força.
E depois de um suspiro tão longo
Quanto a baforada de fumaça dum cigarro,
Ele estaciona o carro,
Olha para trás,
E diz com uma voz maçante
"Que pena, ser feliz não dá dinheiro"

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Cinética dos Valores


ESCURICISMO

inquebráveis camadas de concreto
cobrem nossos corpos nus

a nossa inocência foi roubada,
a liberdade nos foi censurada
e a curiosidade foi substituída
pela seleção artificial

nós não somos o universo
nós somos células individuais
esperando o dia em que faremos sexo
esperando o dia em que nos masturbaremos
usando cédulas de 10 reais

então vamos nos horrorizar
com as mulheres que usam burca
enquanto vestimos nossas
medíocres roupas de homem

então vamos nos horrorizar
com os representantes da nação
responsáveis por administrar
nossa concessocracia

então vamos nos horrorizar
com o filho infeliz da vizinha
que não foi médico
não foi feliz

que horror essas
pobres mulheres sem liberdade no oriente médio

que horror esses
irresponsáveis políticos sugando as riquezas da nação

que horror aquele
filho da vizinha que não passou no vestibular

sim, o sofrível filho de aparecida foi:
pedaços de papel desperdiçados,
ligas metálicas desperdiçadas,
lições de moral desperdiçadas

foi, em suma, um fracasso
embora aprendera muito bem que
"clavículas, abdômen, o coração e a boca"
não pertencem a nós, bichos civilizados
incapazes de "furar o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio"

domingo, 10 de fevereiro de 2013

A trava

Já se passaram os tempos
Em que minha angústia era versificada
E às vezes quase bem metrificada.

Agora as palavras fogem de mim.
E a metrificação não passa de equações
As quais nunca, na vida, vi.

Sou consumido diariamente
Por uma dose de impaciência,
Por uma dose de conformismo
E por uma dose de burrice.

Sinto-me o cérebro se putrefazer
E meu único valor se desfazer
Em uma neblina reservada pra velhinhos.

Já troquei o verbo "andar" por "vagar".
Pois agora me sinto como uma alma perdida,
Deslocada de seus propósitos e aspirações.
Deslocada de suas reais qualidades.

Se esse é o começo do fim,
Então começo dando "adeus"
À prosa e à poesia.
E finalizo dando "boas-vindas"
À leitura e à agonia.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Ritmo dos comportamentos

Profundos, dentro de sua cabeça,
Sentimentos embaralham circuitos
Imperfeitos em frente à discrença
Em que porá em prática os bons intuitos.

Por que tem estado tão temeroso
Em relação à valsa das desavenças?
Dever-se-ia o fato à perda de suas crenças
Na competência de um defeituoso?

Vejo que você já a dançou inúmeras vezes
E, como esperado, só a ruína alcançou,
Sem saber se o homem defeituoso consertou.

Você passou a se abstir dos rítmicos prazeres
E agora a pista de dança lhe traz arrepios
Pois, em sua cabeça, circulam ritmos vazios.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Comitê de Educação

Cala-me indiretamente
E confunde minha mente
Através de tolas proposições
Às quais não são permitidas oposições.

Tudo o que você faz é manipular as informações
Para não permitir que meu processo cerebral prossiga.
Pois lhe é conveniente uma sociedade em ignorância
Onde eu e todo o resto somos obrigados a engolir suas verdades.

Você se acostumou com esse regime alienante
E se convenceu de que ninguém seria ousado o suficiente
Para questionar o que há atrás de sua imagem social triunfante.
Mas note que silêncio não significa ausência de pensamento.

Algo falou mais do alto que a ética da identidade,
E agora sou o hospedeiro de uma verdade incerta.
Mas não precisa de tentar se livrar de mim por tanto,
Pois a ameaça está na sua paranoia de preservação.

Você reparou na gafe que foi
Apostar seus sentimentos em mim
Quando tudo o que eu menos queria
Era ter malditas opções de amor.

E desculpe-me, não é você que me fará acreditar
Na mutação histórica que você mesmo gerou.
Pois a controvérsia de suas proposições
Ainda é mais legítima que elas próprias.

Compreenda que, um dia, a civilização pela qual você tanto zela,
Através de seus cuidados "em virtude" da ignorância,
Arruinar-se-á irremediavelmente.

Pois eu não serei o único hospedeiro
De uma verdade incerta.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Estado do mundo

Cama forrada, roupas bem lavadas,
Pertences em seus devidos lugares.
Noites bem dormidas, família estável,
Sorrisos para serem sorridos.

Se tudo está em devida ordem,
A paz passa a negociar com a desordem.
E se algo sai de seu lugar programado,
O tormento passa a encalçar os desesperados.

Olhe bem os meus olhos e perceba
Que há um desesperado à sua frente.
Olhe bem para o estado do mundo e perceba
Que estamos perdendo algo importante.

Pois enquanto o caos final toma forma para aniquilar,
Você só insiste em apontar minha incompetência,
Ignorando todo o sofrimento advindo de nosso ludibriamento.
E uma vez que nossas promessas saíram de seus devidos lugares,
O tormento, obstante, embarcou em nossas sombras pesadas.

Ninguém se salvará.

Cabelo cortado, barba aparada,
Cabeça externa em perfeito estado.
Músculos fortificados, ossos calcificados,
Porém um coração em batidas obscuras.

Se o mundo se encontra em equilíbrio,
Uma bala de canhão basta para desorganizá-lo.
E se o mundo atrasar por um segundo,
Todos nós sucumbiremos diante de um Sol furioso.

E neste cenário de fenômenos desastrosos,
Nós nos agarramos a princípios justificáveis, mas injustos;
Camuflando a verdade sob contextos controversos.
E lá vou eu sofrer debaixo de cobertores limpos,
Enquanto o tormento arranca-me os fios deste cabelo bem tratado.
Um por um. Um por um.
Promessa por promessa.
Nós estamos vivendo devidamente?

"Todos se salvarão."
Mentira.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

Vencedores e perdedores

Sinto cheiro de putrefação
Advindo daqueles que escolheram o ócio.
Sinto um cheiro ferruginoso
Advindo daqueles que escolheram a batalha.

E, advindo de mim,
Já não sei mais se sinto um odor podre
Ou se sinto um odor de sangue.
Ou ainda, mais provável,
Se estou exalando os dois ao mesmo tempo.

Admito: meu cérebro é praticamente putrefato.
Carcomido pelas máquinas enferrujadas,
Esse órgão não desempenha mais suas funções
Como as desempenhava antigamente.

Essa víscera, em seu declínio mais sombrio,
Encontra formas de manter-se viva
Em enganando a morte através de meros truques.
(Ou fingindo ser sã ocasionalmente.)

E apesar de seu estado miserável,
Tem nojo de estar em ambientes
Os quais são exclusivamente habitados por elementos similares
Porém mais decadentes.

E isso se deve ao simples de fato
De que esse mau administrador de raciocínios ainda possui um sólido ego.
O mesmo que o corroeu várias e, ainda assim,
O mesmo que o faz ter repugnância daquilo ao qual foi rebaixado.

Quanto ao odor de sangue exalado próximo a meu corpo,
Pode não passar de ferimentos de uma auto-tortura
Oriunda de meus mais imundos e controversos pensamentos.
Além do assombroso saudosismo que me assola a alma.

Quem dera pudesse eu dizer que esses ferimentos
Vêm de batalhas travadas pela vida
E não de individualistas e inúteis batalhas travadas
Em prol da estabilidade de minha própria alma.

E talvez parcialmente o tenha sido!
Talvez realmente ainda reste aquela substância líquida
Oriunda de uma labuta digna de orgulho.
Mas será que essa substância se trataria de sangue fresco?

Só sei do advento de um novo período
O qual traz arrepios àqueles que veem um futuro incerto,
E que definitivamente não traz arrepios
Àqueles que sentem cheiro de sangue
Advindo deles próprios.